DETRUSOR OVERACTIVITY SYMPTOMS AMONG WOMEN WITH STRESS URINARY INCONTINENCE. IS THE MEDICAL HISTORY RELIABLE?

CARLOS A. BEZERRA, PAULO E. FUGANTI, JOSÉ M.C. RUANO, CAIO P. BARBOSA,
ERIC R. WROCLAWSKI

ABC Medical School, Santo André, SP, Brazil

ABSTRACT

     Objectives: Stress urinary incontinence (SUI) in women is often associated to detrusor overactivity (DO), which may impair the results of surgical treatment. DO is suspected when the patient also refers urgency and urge-incontinence besides SUI symptoms. However, such diagnosis is only confirmed with urodynamic testing (UD). We evaluated the results of UD in women complaining of lower urinary tract symptoms in order to determine the sensitivity (SE), specificity (SP) and positive predictive value (PPV) of the medical history in the diagnosis of DO.
     Material and Methods: One hundred and nineteen patients complaining of lower urinary tract symptoms were prospectively evaluated through rigorous anamnesis and UD (according to International Continence Society - ICS). UD results were compared to medical history, obtaining the sensitivity, specificity and positive predictive value.
     Results: Eighty-eight patients (74%) presented with mixed SUI (SUI plus DO symptoms: urgency, urge-incontinence and polaciuria). Sixteen patients (13%) complained of pure SUI (without DO symptoms), and 15 (13%) referred DO symptoms without stress urinary incontinence. DO was diagnosed in 26 (22%) patients during UD. The sensitivity, specificity and positive predictive value of SUI symptom in the diagnosis of SUI in UD were 94%, 24% and 66%, respectively. The sensitivity, specificity and positive predictive value of at least one of the DO symptoms (urgency, urge-incontinence and polaciuria) in the diagnosis of DO in UD were 88%, 32% and 27%, respectively. The sensitivity, specificity and positive predictive value of all DO symptoms together in the diagnosis of DO in UD were of 46%, 75% and 34%, respectively.
     Conclusions: DO symptoms are usually found in women with SUI. Medical history has low specificity and positive predictive in the diagnosis of DO. Urodynamic testing is strongly recommended in patients with SUI, allowing precise diagnosis in these cases.

Key words: urinary incontinence; stress; urination disorders; voiding dysfunction; urodynamics; instability; detrusor.
Braz J Urol, 27: 489-494, 2001

INTRODUÇÃO

     A hiperatividade detrusora (HD) é diagnosticada em cerca de 30% dos casos de incontinência urinária de esforço (IUE), caracterizando a IU mista (1,2). Após o tratamento cirúrgico da IUE a HD pode persistir ou surgir em pacientes que não tinham este diagnóstico previamente. A presença de HD compromete os resultados da cirurgia porque a paciente continua apresentando perda urinária ou outros sintomas irritativos, apesar de ter sido adequadamente tratada para perda aos esforços (3).
     
Apesar da literatura ser unânime em afirmar que o exame urodinâmico (EUD) é necessário (4), poucos trabalhos fizeram estudos mais precisos, com cálculos de sensibilidade (S), especificidade (E) e valor preditivo positivo (VPP). Além disso, os sintomas que se utilizam como indicativos de HD variam bastante nos diversos trabalhos encontrados.
     
Com a finalidade de determinar o valor de diferentes sintomas do trato urinário inferior (STUI) em mulheres com IUE, avaliamos prospectivamente uma população de pacientes provenientes de diversos setores do sistema público de saúde.

MATERIAL E MÉTODOS

Pacientes
     
Cento e dezenove mulheres consecutivas do Ambulatório Conjunto de Urologia Feminina e Ginecologia com sintomas urinários variados foram avaliadas no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2000. Tais pacientes são provenientes de 4 setores: 1)- unidades básicas de saúde: pacientes que procuraram o sistema público de saúde por diferentes razões. Nestes centros foram triadas por médicos e foram encaminhadas quando referiam qualquer sintoma urinário. As portadoras deste(s) sintoma(s) foram encaminhadas ao Ambulatório Conjunto de Urologia Feminina e Ginecologia; 2)-ambulatório de Urologia: encaminhadas pelos urologistas da instituição de acordo com seus critérios; 3)- ambulatório de Ginecologia: encaminhadas pelos ginecologistas da instituição de acordo com seus critérios; 4)- ambulatório Conjunto de Urologia Feminina e Ginecologia: quando procuraram espontaneamente o ambulatório ou foram encaminhadas diretamente do sistema de triagem da enfermagem.
     
Todas as pacientes foram investigadas com urocultura e exame ginecológico. Mulheres portadoras de infecção urinária ou vaginites foram tratadas previamente. Pacientes na menopausa foram admitidas na pesquisa independentemente de estarem ou não em reposição hormonal (TRH). Pacientes com grandes prolapsos ou com cirurgias prévias não foram excluídas.
     
Trinta e cinco pacientes (30%) estavam na menopausa. A Table-1 mostra as características da população estudada.



Avaliação Clínica
     
A avaliação clínica foi feita pelo ginecologista ou pelo urologista do grupo. Consistiu de interrogatório padrão que incluiu a pesquisa de: sintomas de urgência miccional, urge-incontinência, polaciúria (intervalo entre micções menor ou igual a 2 horas), perda urinária ao esforço, disúria, enurese e dor; avaliação da situação hormonal (e/ou reposição hormonal), paturidade e tratamento prévio para IUE. No exame físico foram avaliadas a presença de cistocele, retocele, prolapsos e ruptura perineal. As cistoceles foram classificadas da seguinte maneira: grau I – descenso da base vesical em direção ao intróito vaginal ao esforço; grau II – descenso da base vesical ao nível do intróito vaginal ao esforço; grau III – descenso da base vesical para fora do intróito vaginal ao esforço; grau IV – base vesical situada além do intróito vaginal em repouso.
     
A pesquisa de perda urinária ao esforço foi realizada com a paciente em posição supina referindo média repleção vesical, utilizando-se as manobras de Valsalva e tosse.

Exame Urodinâmico (EUD)
     
O exame urodinâmico foi realizado de acordo com a padronização da Sociedade Internacional de Continência (ICS), utilizando-se o equipamento Uromaster MPX616 de Dynamed, São Paulo, Brasil. Sucintamente, a cistometria é realizada com infusão de soro fisiológico (50 ml/minuto) através de cateter 8F e as pressões vesical (cateter 6F) e retal (balão retal) são monitoradas simultaneamente. Foi considerada HD quando encontrada pelo menos uma contração involuntária de amplitude maior que 15 cm H2O durante a fase de enchimento. A pressão de perda sob esforço foi determinada com a paciente sentada e com enchimento vesical entre 200 e 300 ml. Foram realizadas exaustivas manobras de esforço e considerou-se como pressão de perda a menor pressão que produziu perda urinária neste teste. Nesta fase, a paciente portava apenas uma sonda de 6F na bexiga e o balão retal.

Análise Estatística
Os resultados foram analisados estatisticamente considerando-se o valor de 5% para a rejeição da hipótese de, aplicando-se o testes t de student e qui-quadrado.

RESULTADOS

     Cento e quatro pacientes (87%) queixavam-se de perda urinária aos esforços e 15 (13%) pacientes apresentavam sintomas do trato urinário inferior (incluindo sintomas de HD) sem incontinência urinária ao esforço. Vinte e quatro pacientes (20%) haviam sido submetidas a algum tipo de correção cirúrgica para IUE: Raz - 2 casos, Burch - 1 caso, Burch laparoscópico - 7 casos e Kelly-Kennedy - 14 casos. Observou-se cistocele em 76 (64%) pacientes (grau I: 36 casos, grau II: 38 casos e grau III: 2 casos – de acordo com ICS).
     
Setenta e três (70%) das 104 mulheres que se queixavam de perda urinária ao esforço apresentavam IUE genuína (perda no estudo urodinâmico). A sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo (VPP) do sintoma de IUE para perda urinária ao esforço no estudo urodinâmico foi de 94%, 24% e 66%, respectivamente.
     
Sintomas de HD foram observados em 99 (83%) casos e a HD foi demonstrada em 26 (22%) das 119 pacientes. A Table-2 separa as portadoras de IUE pura daquelas com IUE mista em relação à presença de HD e IUE demonstradas no exame urodinâmico. Dentre as mulheres que tinham sintomas de IU mista, observamos que 51% tinham IUE genuína, 21% tinham HD (12% com IUE e 9% com HD) e 27% eram normais. Por outro lado, quando as pacientes não tinham sintoma de HD, apenas 12% apresentavam este diagnóstico na urodinâmica.



     
A Table-3 mostra a sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo dos sintomas de hiperatividade em relação à presença de HD no estudo urodinâmico. Nenhum sintoma, isoladamente ou em associação com outros, apresentou sensibilidade ou especificidade superior a 90% e, portanto, apresentam baixo valor preditivo positivo.



     
Entre as 15 portadoras de sintomas do trato urinário inferior sem queixa de IUE, a freqüência de HD e de IUE no estudo urodinâmico foi de 5 (66%) e 4 (27%), respectivamente (Table-4). Destas 5 portadoras de HD, 4 referiam urgência, 4 referiam urge-incontinência e 3 relatavam polaciúria. A presença de sintoma de HD na história clínica corresponde a HD no EUD em 33% dos casos; metade das pacientes com sintomas de HD tem exame normal.


DISCUSSÃO

     A incontinência urinária em mulheres é um problema muito freqüente. Cerca de 25% das mulheres na pós-menopausa apresentam algum tipo de perda urinária (5). A avaliação correta destas pacientes é fundamental, uma vez que existem diversos fatores que interferem no resultado do tratamento, entre eles a HD.
     
Os sintomas de hiperatividade são comuns em pacientes portadoras de incontinência urinária de esforço. Chamorro (3) et al., analisando 70 mulheres com sintomas de IUE através de estudo urodinâmico e anamnese, observaram que a urge-incontinência se associava em 38 (60%) delas. Kreder & Austin (7) evidenciaram urge-incontinência em 16 (32%) de 50 pacientes com IUE decorrente de hipermobilidade uretral e deficiência esfincteriana intrínseca. O presente trabalho difere dos demais uma vez que analisou mulheres com e sem IUE, encontrando urge-incontinência em 65 (54%) de 119 pacientes.
     
A hiperatividade detrusora desaparece em dois terços dos casos após a correção cirúrgica da IUE conforme observou McGuire et al. (2), estudando 347 pacientes com exame urodinâmico. Entretanto, em um terço delas a HD persistiu como problema no período pós-operatório. Esta condição afeta o grau de satisfação com o tratamento, mesmo que a perda não seja por IUE (2,3,6,7).
     
Outros sintomas de HD (polaciúria e urgência) não são citados na maioria dos trabalhos que estudam esta população de pacientes. Todavia, verificamos que apresentam alta prevalência (85% em nossa amostra). Além disso, estes sintomas, mesmo que não sejam acompanhados de perda urinária, incomodam a paciente, baixando os índices de satisfação com o tratamento. Pode, a utilização de todos estes sintomas, em conjunto ou isoladamente, ajudar na orientação terapêutica de mulheres com IUE? Sabe-se que a história e exame clínico são importantes na avaliação da IUE (8,9), porém, sua capacidade de predizer o tipo de perda urinária e a presença de HD é limitada e deve ser complementada com o estudo urodinâmico (10). A correlação entre os sintomas de HD pré-operatórios e a presença de HD no estudo urodinâmico é pobre (4). Awad et al. (6) separaram pacientes com IUE pura e IUE mista, concluindo que graus mais intensos de urge-incontinência associavam-se menos freqüentemente ao diagnóstico de IUE genuína (sem HD no estudo urodinâmico). Riss & Koelbl (4), através de parâmetros urodinâmicos e um questionário acerca das características da perda urinária, observaram que queixas sugestivas de IUE mista têm valor preditivo positivo de apenas 2.9% no diagnóstico de urgência motora, mas de 37% no de IUE mista. Encontramos resultados similares em nosso estudo (Table-3). Vereecken & Wouters (1) utilizaram um questionário a fim de predizer achados urodinâmicos, concluindo que a perda urinária associada ao barulho água corrente e o contato com água gelada são fatores de maior relevância no diagnóstico da instabilidade vesical. Entretanto, não relatou o VPP destes sintomas. Utilizando os dados apresentados em seu trabalho observamos que o VPP foi 42% para barulho água corrente e 43% para o contato com água gelada, pouco maior do que os valores encontrados em nosso estudo (VPP = 23% - polaciúria; 26% - urgência; 30% - urge incontinência e 34% - os 3 sintomas associados). Apesar disso, ambos demonstram que a maioria das mulheres com sintomas de HD não têm comprovação do diagnóstico no exame urodinâmico. A análise destas séries de pacientes nos sugere que a história clínica não é um instrumento adequado para predizer o diagnóstico de IUE mista.
     
Com o objetivo de avaliar o papel da história no diagnóstico da incontinência urinária, Jensen et al.(10) realizaram uma meta-análise com 3092 pacientes provenientes de 19 trabalhos. Observaram que o sintoma de urge-incontinência diagnosticava 73% dos casos de HD na urodinâmica, com especificidade de 55% e valor preditivo de 56%. O VPP da história clínica para o diagnóstico da IUE mista foi ainda mais baixo, sendo de 24%. Este autor sugere que a documentação detalhada através do estudo urodinâmico é de grande valia na avaliação da IUE.
     
Em nosso trabalho, procuramos não só avaliar o sintoma de urge-incontinência, como os demais sintomas de HD, procurando saber se há diferença entre eles na previsão dos achados urodinâmicos. Observamos que separadamente, o VPP de cada um é extremamente baixo, variando de 23% para a polaciúria a 30% para a urge-incontinência. Ainda assim, mesmo a presença de todos os sintomas de HD (UI + U + P) na mesma paciente revela VPP de apenas 34%, pouco contribuindo no diagnóstico pré-operatório da HD.
     
Quando analisamos as pacientes como grupos, comparando as portadoras de sintomas de HD com IUE com as portadoras de IUE pura, a prevalência de HD nestes 2 grupos é 21.6% versus 12%, respectivamente (p = 0.69). Este achado sugere que mesmo mulheres com IUE sem sintomas de HD têm risco de apresentar instabilidade no exame urodinâmico, pois o VPP do sintoma de IUE pura é 66% e 12% têm HD.

CONCLUSÕES

     Os sintomas de HD são freqüentes em portadoras de IUE. O sintoma mais freqüentemente estudado nos trabalhos é a urge-incontinência. Os demais sintomas de HD (urgência miccional e polaciúria) não são citados na maioria dos estudos sobre IUE, apesar de terem alta prevalência nesta população (85% no presente estudo). Todavia estes sintomas precisam ser melhor analisados, apesar de não representarem perda urinária, pois incomodam as pacientes baixando o grau de satisfação no pós-operatório. Por isso fica claro que a avaliação pré-operatória destes sintomas é muito importante para orientar o tratamento e determinar o prognóstico. A história clínica tem baixa especificidade e valor preditivo positivo no diagnóstico de HD, sendo recomendada a realização do estudo urodinâmico para melhor orientação terapêutica destas pacientes.

REFERÊNCIAS

  1. Vereeken RL,Wouters M: Discrepancies between clinical and urodynamical findings: which are true? Urol Int, 43: 282-285, 1988.
  2. McGuire EJ, Lytton B, Kohorn EI, Pepe V: The value of urodynamic testing in stress urinary incontinence. J Urol, 124: 256-258, 1980.
  3. Chamorro MV, Casado JS, Fernandez JC, Gonzalez MR, Fuertes ME, Corbacho LN, Estevez LR: Repercusión de los síntomas irritatívos vesicales e inestabilidad del detrusor en los resultados de la uretropexia. Arch Esp Urol, 48: 595-601, 1995.
  4. Riss PA, Koelbl H: The predictive values of single and combined urodynamic parameters. Acta Obstet Gynecol Scand, 67: 505-511,1988.
  5. Jefcoat TNA, Roberts H: Observations on stress incontinence of urine. Am J Obstet Gynecol, 64: 721-738, 1952.
  6. Awad AS, Gajewski JB, Katz NO, Acker-Roy K: Final diagnosis and therapeutic implications of mixed symptons of urinary incontinence in women. Urology, 39: 352-357, 1992.
  7. Kreder JK, Austin JC: Treatment of stress urinary incontinence in women with urethral hipermobility and intrinsic sphincter deficiency. J Urol, 156: 1995-1998, 1996.
  8. McGuire EJ, Cespedes RD, Cross CA, O’Connell HE: Video urodynamic studies. In: Hinman F (ed.). Urol Clin N Am, 23: 309-322, 1996.
  9. Blaivas JG, Romanzi LJ, Heritz DM: Urinary Incontinence: Pathophysiology, Evaluation, Treatment Overview, and Nonsurgical Management. In: Walsh PC, Retik AB, Vaughan ED, Wein AJ (eds.). Campbell’s Urology. WB Saunders Company, pp. 1007-1043, 1998.
  10. Jensen JK, Nielsen R, Ostergard DR: The role of patient history in the diagnosis of urinary incontinence. Obstet Gynecol, 83: 904-910, 1994.

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Received: July 20, 2001
Accepted: August 26, 2001

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